Somos as Sementes e as Raízes que Nossos Ancestrais Plantaram
Fotografia por Elis Tuxá
O Brasil inteiro é terra indígena. Mas quem sou eu se me inventaram tantas vezes que esqueceram o real? Como floresço se me desmatam? Se me escondem e fingem que não existo, e se levanto minha voz eles me matam de novo. Se ainda tentam me colonizar, se em cada mergulho eles tentam me afogar. Ainda me chamam de descoberta e disfarçam com história de laço.
Ser mulher indígena é ser território vivo que carrega força ancestral e raiz de muitas outras, mas é também enfrentar um mundo que nos ataca todos os dias. Seja em 1500, seja em algum lugar agora, enquanto você lê esse texto. Pouco se é falado sobre a vivência da mulher originária, e mesmos nos dias atuais, sofremos com a colonização que continua em atividade. Desde a invasão do que hoje se conhece como Brasil, vivemos em um cenário onde nossa presença é constantemente apagada e até mesmo nosso direito de viver é negado.
Nossa voz é abafada pelas mentiras coloniais que reforçam uma ideia completamente distorcida de um processo doloroso de genocídio e etnocídio que até hoje é tratado nos livros de história como “descoberta”. Apesar desses meios contarem uma versão falsa e romantizada sobre o que foi (e continua sendo) o processo de invasão e colonização do Brasil, é inegável o fato de que os povos originários ainda são diariamente vítimas de violências, assassinatos, desterritorialização, racismo, invasão de suas aldeias, estupros e invisibilidade.
Ainda nos dias de hoje, constantemente ouvimos falas que reforçam uma ideia extremamente caricata sobre a nossa identidade, ou que ainda encobre a história real com a versão criada pelo colonizador. São muitos os estereótipos que recaem sobre a maneira como nos afirmamos, quando somos invalidados por características físicas por aqueles que ainda nos cobram uma ideia de “pureza”, ressaltando ainda o disfarce para o estupro de mulheres indígenas que foram violentadas e forçadas a deixarem suas comunidades, afastadas por esses agressores.
Os frequentes ataques às nossas terras, aos nossos corpos, culturas e ao nosso sagrado, são tratados como problemas pouco relevantes. A produção de capital é vista como mais valiosa que nossas vidas. Questiono então, até quando seremos apenas nomes em uma lista de exterminação? Até quando seremos tratados como personagens de lendas, mitos e folclore? Passamos de séculos de opressão, onde ainda há quem se orgulhe da história do país que pisamos, vendo nosso sangue sendo derramado e ignorando nossa presença.
A luta pelos povos indígenas é incessante, pois a todos os momentos temos que afirmar nossa existência, e reivindicar os direitos que nos negam. Seja quando usam nossos atavis como fantasia no carnaval, ou quando negam a nossa história com Marco Temporal. Levamos conosco, a força daqueles que ancestralizaram resistindo para que hoje, pudéssemos estar aqui. Ouvimos as histórias contadas por nossos avós e lideranças, e entendemos tanto sobre nossa história, sabendo que ela começou mesmo antes de nascermos.
Estamos por todos os lugares, existimos na mata, na cidade, nas universidades, salas de aula, na mídia, na arte, no audiovisual, na escrita, e onde mais quisermos demarcar. Não somos uma descoberta de Cabral. Somos floresta viva, plural, proteção ancestral, somos os saberes que a terra guarda, somos as sementes plantadas por nossos antepassados, somos resistência. Com pisadas fortes que ecoam os cantos do toré, banhados pelas ondas do Opará, a fumaça de nossos malakos e a voz de nossos mais velhos. Não somos agora menos legítimos ou menos reais. Estamos aqui, retornamos e transitamos. Somos natureza atemporal, somos originários!
Nossa voz também é retorno
E retornamos
Transitamos
Demarcamos
Essa terra que você pisa é indígena, é ancestral
Muito antes do seu colonial
A natureza que eu habito não é temporal – (trecho de “Dahekli Potso”, escrito por Tayná Cá
Arfer Tuxá)
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